Quando eu era criança, tínhamos aquela ideia de que os anos 2000 viriam acompanhados de carros voadores, teletransporte e todas aquelas parafernálias domésticas que víamos no desenho dos Jetsons. Essa ideia de um futuro repleto de robôs fez – e ainda faz! – parte do imaginário de muita gente. Quem nunca ouviu dizer que as máquinas substituiriam os professores em sala de aula e que logo, logo, não precisaríamos de seres humanos ensinando?
Enfim, estamos em 2017, e, mesmo com o rápido avanço da educação à distância, essas imagens tecnológicas de uma escola quase artificial não se tornaram realidade. Por duas razões: primeiro porque não há tecnologia que substitua um bom professor e porque nosso problema não é o fato de as máquinas substituírem gente, mas sim a falta de seres humanos na docência. A primeira razão vai merecer outro texto aqui neste espaço. Quero falar aqui da segunda.
A crônica falta de atratividade da carreira de professor está fazendo com que cada vez menos jovens invistam nela como futuro profissional, comprometendo, consequentemente, o futuro da educação brasileira e do próprio país.
A questão é complexa. Uma pesquisa do professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo (USP), divulgada há três anos, mostra que o número de pessoas que ingressam nos cursos de formação docente do Ensino Superior no país seria suficiente para suprir a demanda de professores na Educação Básica – porém, o que falta é interesse em lecionar (saiba mais aqui). Temos profissionais suficientes para ocupar vagas em todas as disciplinas (com exceção de física) nas escolas de todo o Brasil, porém as condições da profissão repelem grande parte dos potenciais docentes. Ou seja: mesmo com o diploma em mãos, o professor escolhe outro caminho profissional em detrimento de estar em sala de aula.
Vale destacar que o problema, no entanto, não é só nosso. Na semana passada, na Inglaterra, pude conversar com vários especialistas justamente sobre esse tema. As pesquisas internacionais mostram que os ingleses estão diante de uma crise de recrutamento de professores que se agravou nos últimos quatro anos, de acordo com um relatório do Câmara dos Comuns do Parlamento (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) – veja.
Outro relatório do governo indica que 29% das 1.055 vagas para formação em física não foram preenchidas entre 2015 e 2016.
Uma das consequências é a superlotação das classes inglesas, realidade que conhecemos muito bem aqui no Brasil, especialmente nas grandes cidades. Um estudo divulgado em março pela Association of School and College Leaders sobre a crise de financiamento na área mostra que a média de alunos por turma vem subindo com a queda de número de docentes – veja.
Os efeitos disso nós estamos quase cansados de saber: alunos sem professor em algumas disciplinas ou assistindo às aulas de um docente não formado na matéria que leciona. Hoje, no Brasil, 46,3% dos professores do ensino médio lecionam conteúdos de uma área na qual não se formaram. É praticamente metade dos 494 mil docentes que atuam na etapa em escolas públicas e privadas. Os dados do Censo Escolar 2015 tabulados pelo movimento Todos Pela Educação (disponíveis no Observatório do PNE) também mostram que um terço (32,3%) só dá aulas justamente de matérias nas quais não é diplomado. O pior é que o quadro não muda há anos. Desde 2012, estamos estagnados.
Na Inglaterra é diferente? Nada disso… Os dados mostram que a taxa de professores temporários em escolas públicas duplicou entre 2011 e 2014 (de 0,5% para 1,2%), tamanha a dificuldade para encontrar professores. Dados da Association of School and College Leaders mostram ainda que três em cada quatro diretores estão pedindo para que os professores passem a dar aulas de disciplinas em que não são especialistas. No caso específico das aulas de física, o número de aulas ministradas por professores sem formação na área aumentou de 21% para 28% entre 2010 e 2014 no país. Outros dados dão conta de que muitos docentes têm deixado a Inglaterra para lecionar em outros países.
Brasil, Inglaterra. Tão diferentes e enfrentando o mesmo problema, cujas raízes são as mesmas. Por que não há professores tanto em terras britânicas como brasileiras? A primeira coisa que vem em mente quando perguntamos isso é: “Ah, mas o salário do professor é muito baixo… É claro que ninguém quer seguir essa profissão!”. É a mais pura verdade: nossos docentes recebem em média o equivalente à metade (52,5%) do salário dos outros profissionais de nível superior. Em reais, para ficar bem claro: enquanto os docentes da rede pública têm média salarial de R$ 3.846,40, um advogado, engenheiro ou qualquer outro diplomado recebe em média R$ 7.325,10.
O problema, porém, é muito mais complexo do que apenas a questão salarial. Os jovens respondem: embora 37,6% dos estudantes de ensino médio já tenham pensado em seguir carreira no magistério, 23,5% já desistiram da ideia. E por quê? Porque reconhecem que os alunos não respeitam os professores (20,9%) e também porque acreditam que a sociedade não valorize a profissão (14,2%). O salário, é claro, também afasta: 17,7% dos jovens acham a remuneração inicial muito baixa. Os dados são da pesquisa Repensar o Ensino Médio.
O diagnóstico foi feito, e está na boca daqueles que seriam os futuros professores: a juventude. É preciso o entendimento da sociedade brasileira de que o professor é o profissional-chave para o desenvolvimento do país. Tal expectativa precisa ser criada para que tenhamos políticas públicas que atendam a essa demanda fundamental, observando a estrutura da formação inicial, a qualidade da formação continuada e as condições de trabalho que, sabemos, são precárias.
Se essas providências não forem tomadas com urgência, no andar dessa grande carruagem chamada Brasil, a resposta para a pergunta que dá título a essa coluna pode não ser positiva. Precisamos de mais professores – e, para isso, precisamos que mais jovens queiram abraçar essa profissão essencial, dando-lhe o valor transversal que ela tem para o desenvolvimento da nossa sociedade.
Fonte: UOL